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Operação Lava Jato vence o Prêmio Innovare de 2016

A Operação Lava Jato foi assim batizada por ter chegado, no curso de uma investigação de movimentação ilícita de dinheiro, a uma rede de postos de combustíveis em Brasília onde funcionava uma unidade ‘lava jato’ de automóveis. Ninguém imaginaria que as denúncias chegariam tão longe. Desde 2014, a Operação Lava Jato produziu 118 condenações por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa com penas que superam 1.256 anos, o que incluiu o pedido de ressarcimento de mais de R$ 38 bilhões. Veja o quadro abaixo.

Considerada a maior e mais importante investigação de corrupção que o país já viu, a força-tarefa da Lava Jato foi anunciada nesta terça-feira (6/12), em cerimônia em Brasília na sede do Supremo Tribunal Federal (STF), como a vencedora da 13ª edição do Prêmio Innovare, na categoria ‘Ministério Público’, derrotando outras 51 iniciativas na área do MP. O trabalho da Lava Jato, que continua em curso, contou com o esforço de 14 procuradores e aproximadamente 50 servidores públicos de outras áreas, coordenando ainda equipes da Polícia Federal, Receita Federal, Petrobrás, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), Controladoria Geral da União (CGU), Tribunal de Contas da União (TCU) e Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

O Prêmio Innovare é uma realização do Instituto Innovare, do Ministério da Justiça, da Associação de Magistrados Brasileiros, da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Associação Nacional dos Procuradores da República e da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), com o apoio do Grupo Globo.

Três dias antes desse reconhecimento nacional, a Lava Jato ganhou repercussão no exterior: no sábado (3/12), a operação superou 580 outros trabalhos do mundo inteiro e conquistou o Prêmio Anticorrupção 2016 da prestigiada Transparência Internacional. O prêmio internacional homenageia líderes e organizações da sociedade civil, além de jornalistas, promotores e agentes de governo que expõem e combatem a corrupção.

Durante a investigação do esquema, o Ministério Público Federal descobriu que grandes empreiteiras organizadas em cartel pagavam propina (que variavam de 1% a 5% do montante total de contratos bilionários superfaturados) para altos executivos da Petrobras e outros agentes públicos, distribuída por meio de operadores financeiros do esquema.

Para ajudar o cidadão a entender o caso e os complexos esquemas criminosos, o MPF criou um site na Internet (http://lavajato.mpf.mp.br/) onde é possível conhecer com mais detalhes a operação, que já firmou 70 acordos de colaboração premiada, decretou 175 prisões (entre temporárias, preventivas ou flagrantes) e produziu 23 sentenças pelos crimes de corrupção contra o sistema financeiro internacional, tráfico transnacional de droga, formação de organização criminosa e lavagem de ativos, dentre outros. O valor total do ressarcimento pedido está em R$ 38 bi. O volume de propinas apurado pela Lava Jato chega a quase R$ 6,5 bilhões.

“Os resultados da Lava Jato, em muitos aspectos, quebram recordes da Justiça. Temos de reconhecer, contudo, que eles não são fruto apenas do amadurecimento democrático de nossas instituições e leis ou da dedicação e qualificação dos profissionais que atuam no caso. Há uma boa dose de sorte, porque hoje o sistema é uma grande engrenagem fadada a produzir, segundo uma pesquisa acadêmica, impunidade em 97 de cada 100 casos de corrupção”, reconhece o procurador do Ministério Público Federal (MPF), Deltan Martinazzo Dallagnol, coordenador da força-tarefa.

“A Lava Jato é fruto de mais de 20 condições necessárias que eu classificaria como improváveis, mas que, para nossa sorte, alinharam-se”, diz o procurador, que avalia a corrupção no Brasil como “enraizada e sistêmica”. O coordenador da operação falou à Agência CNJ de Notícias sobre os avanços conquistados pela Lava Jato e o combate à corrupção. “Uma coisa é saber que o monstro existe. Outra, bem diferente, é vê-lo em carne e osso à nossa frente, o que é assustador”, reconheceu.

Leia, abaixo, a entrevista de Dallagnol, concedida por e-mail à repórter Regina Bandeira, da Agência CNJ de Notícias:

O Prêmio Innovare busca ações especiais que possam ser replicadas em todo o país. Outro critério que são avaliados dizem respeito a criatividade, ineditismo e alcance social. O senhor destacaria na Força-Tarefa Lava Jato essas qualidades?
DALLAGNOL – A Força-tarefa inovou em diversos aspectos, mas eu destacaria três. Primeiro, o emprego consistente de uma técnica especial de investigação, a colaboração premiada, que levou a uma expansão de caráter exponencial das investigações. Mais de 70 acordos de colaboração premiada lançaram luzes sobre possíveis fatos para que em seguida fossem realizadas buscas e apreensões, quebrados sigilos bancário e fiscal e colhidos depoimentos. Em segundo lugar, houve uma coordenação internacional e nacional nos trabalhos jamais vista. Como a lavagem da grande corrupção é notadamente transnacional, foram feitos mais de 120 pedidos de cooperação com mais de 30 países. Internamente, a Força Tarefa coordenou a investigação interinstitucional com Polícia, Receita, Petrobras, COAF, CADE, CGU, TCU, CVM e outros órgãos públicos, sem falar na integração com outras forças tarefas do próprio Ministério Público no âmbito intrainstitucional. Por fim, a transparência e prestação de contas do trabalho à sociedade atingiram um nível inédito, com a criação do primeiro website para um caso criminal na história, apontando números e códigos de acesso dos processos eletrônicos, bem como a realização de entrevistas coletivas para explicar de modo didático os complexos esquemas criminosos. Tudo isso permitiu uma aproximação com a população, a fiscalização da sociedade e o importante apoio da opinião pública. Vários desses aspectos podem ser replicados. Por fim, à parte de tudo isso, a Força-Tarefa da Lava Jato não se ateve à atuação no caso, mas buscou contribuir com o aperfeiçoamento do aparato brasileiro anticorrupção, tomando a iniciativa de um projeto que foi abraçado pelo Ministério Público brasileiro e veio a ser conhecido como ‘10 Medidas Contra a Corrupção’, que contou com o apoio de mais de dois milhões de assinaturas.

De que maneira o exemplo da Lava Jato pode ser replicado?
DALLAGNOL – As Forças-Tarefas de procuradores com experiência em grandes investigações e habilidade para trabalhar em equipe são um novo modelo de atuação do Ministério Público. Já temos visto uma onda de replicação desse modelo. A maior dificuldade para reproduzi-lo é o fato de que o ambiente brasileiro não é, no geral, favorável à celebração de acordos de colaboração premiada, que é o coração que dá vida à Lava Jato. Ainda vigora a regra da impunidade dos colarinhos brancos e os acordos de colaboração só se mostram uma boa opção para a defesa quando existe uma perspectiva concreta de punição dos culpados, o que hoje só acontece em casos excepcionais. De fato, por que alguém vai devolver o dinheiro, entregar informações sobre fatos e provas até então desconhecidos e se submeter a uma punição criminal, ainda que reduzida, se pode alcançar a impunidade? Se forem feitos avanços legislativos para fechar as brechas que permitem que corruptos escapem impunes, o que esperamos que seja alcançado com a aprovação das 10 medidas contra a corrupção, existirão condições para vermos novas Lavas Jatos surgindo por todo país.

O que há de especial na Lava Jato, na sua avaliação?
DALLAGNOL – Já se sabia que a corrupção no Brasil é enraizada e sistêmica. Contudo, uma coisa é saber que um monstro existe. Outra, bem diferente, é vê-lo em carne e osso à nossa frente, o que é assustador. Além do diagnóstico qualificado por tornar palpável a corrupção, clamando por uma reação da sociedade, a Lava Jato chamou a atenção por alcançar pessoas das elites econômica e política que eram tidas como inatingíveis pelo sistema de justiça criminal. Grandes empresários e políticos influentes já foram condenados ou presos e outros estão na mira da Lava Jato. Aliás, quando você pune o legislador, que faz a lei, com os rigores da própria lei, há sempre o risco de ele decidir mudar a lei para se proteger e retaliar. Por isso o apoio da opinião pública é tão importante, formando uma espécie de campo de força que protege a operação. Por fim, o cinismo e a descrença nas Instituições era tão grande que o funcionamento republicano da Justiça renovou as esperanças da sociedade. Agora, essas três coisas — diagnóstico, justiça contra corruptos poderosos e esperança — não adiantarão nada se nossa indignação e boas intenções não se converterem na reforma do ambiente brasileiro, que hoje favorece a corrupção. São necessárias reforma política e no sistema de justiça criminal.

Quais os pontos centrais que o senhor destacaria no trabalho?
DALLAGNOL – Os resultados da Lava Jato são, em muitos aspectos, quebradores de recordes. Temos de reconhecer, contudo, que eles não são fruto apenas do amadurecimento democrático de nossas instituições e leis ou da dedicação e qualificação dos profissionais que atuam no caso. Há uma boa dose de sorte, porque hoje o sistema é uma grande engrenagem fadada a produzir, segundo uma pesquisa acadêmica, impunidade em 97 a cada 100 casos de corrupção. Dito isso, foram acusadas mais de 250 pessoas por crimes como corrupção, lavagem e organização criminosa. As mais de 100 condenações, envolvendo 82 condenados, têm penas que, em conjunto, superam 1.000 anos. O valor das propinas passa de 6 bilhões e o prejuízo é superior a 40 bilhões. Já foram recuperados mais de 3 bilhões, o que é inédito em um país em que os casos criminais, em geral, não recuperam um centavo. O caso que virtualmente mais recuperou antes da Lava Jato não alcançou mais de 100 milhões. Foram feitos mais de 70 acordos de colaboração, quando a investigação com maior número de acordos, de longe, tinha sido a do Banestado, com 17 delações. Há mais de mil investigados em apurações que conduzirão, ainda, a dezenas de acusações criminais, inclusive de políticos com foro privilegiado.

Como foi criada a Lava Jato? E por quem?
DALLAGNOL – A Força-Tarefa foi criada a pedido dos procuradores da área criminal da Procuradoria da República de Curitiba, coordenados pela procuradora Letícia Pohl, e por decisão do procurador-geral da República Rodrigo Janot. Trabalhava como um dos principais assessores do procurador-geral o colega Vladimir Aras, que participou da Força Tarefa do caso Banestado comigo e foi um importante incentivador da criação do grupo especial de atuação. Figurei desde a primeira formação, como procurador responsável pelo caso e participei da escolha dos colegas que trabalhariam no caso comigo. Foram escolhidas pessoas de diferentes perfis, mas que em geral tinham experiência em grandes investigações e se aperfeiçoaram nos assuntos tratados pela Lava Jato em mestrados no Brasil e no exterior. Harvard, Cornell, Sevilla, Coimbra e London School of Economics são exemplos de universidades em que os procuradores se especializaram.

A Lava Jato iniciou uma nova fase no Ministério Público em relação a processos e ações?
DALLAGNOL – Isso só o futuro poderá dizer.

O combate à corrupção não começou recentemente. Por que só agora ele parece que está dando certo?
DALLAGNOL – Um caso como a Lava Jato, do mesmo modo que o Mensalão, é um ponto fora da curva da impunidade que, infelizmente, domina o cenário nacional. A Lava Jato é fruto de mais de 20 condições necessárias que eu classificaria como improváveis, mas que, para nossa sorte, alinharam-se. Houve sim dedicação, competência, amadurecimento de Instituições e evolução das leis, mas existiu uma grande dose de sorte. Não devemos continuar contando que o universo conspire a nosso favor. Devemos construir o caminho do sucesso no combate à corrupção e a ‘energia’ gerada pela Lava Jato, produto de conscientização e esperança, colocam o Brasil em um possível turning point. Não continuaremos como estamos. Ou faremos as reformas necessárias para edificarmos um futuro diferente e melhor, ou perderemos a oportunidade das nossas vidas. Há, no sul do Brasil, um ditado que diz que precisamos estar atentos quando passa um cavalo encilhado, porque por vezes ele só passa uma vez na vida. Eu acredito que o cavalo encilhado está passando. Ou montamos, ou continuaremos a pé na luta contra a corrupção. A página do futuro no livro da vida de nossa nação está em branco e a sociedade tem em suas mãos tudo que precisa para escrever uma nova história.

Esse é um caminho sem volta no Brasil ou há a possibilidade de a força tarefa ser extinta depois da Lava Jato?
DALLAGNOL – Entre nossos investigados está quem faz a lei. Eu sei que quem faz a lei está também, como todo servidor público, teoricamente, a serviço do povo. Contudo, na prática, eles são humanos e tendem a se proteger. Ninguém que pratica crimes corre de braços abertos para sua punição, ainda que seja justa. O contrário é o que normalmente acontece. A diferença, nesse caso, é que quem faz a lei que usamos para punir os criminosos pode mudá-la quando chegar a sua vez de ser punido. Isso aconteceu na Itália, no contexto da operação Mãos Limpas. É claro que a sociedade hoje não deixaria isso acontecer, mas os investigados sabem disso. Há duas estratégias que poderão ser adotadas para se esquivar da pressão social e anistiar os crimes. A primeira é desmoralizar a investigação, o que estão tentando fazer há tempos. Aliás, descobri na Lava Jato que políticos jamais são criminosos; são apenas ‘perseguidos’. Uma campanha de desmoralização aconteceu na Itália e abriu espaço para o contra-ataque do sistema corrupto. Acusaram os investigadores de abusos que jamais foram comprovados. Nem precisavam ser, porque a simples acusação foi suficiente para diminuir o apoio da opinião pública e atingir o objetivo de aprovar leis que desconstruíram a Mãos Limpas. A segunda estratégia é votar temas em momentos de dispersão da atenção da sociedade ou anos após o caso. Isso também aconteceu na Itália, em que aprovaram leis que garantiam impunidade anos após a investigação, até em dia de importante jogo de futebol da seleção italiana. Para que a Lava Jato sobreviva aos ataques ao longo do tempo, é necessário um elevado grau de transparência das investigações e uma boa política de comunicação social que sobreviva ao tempo.

A Lava Jato ganhou o Innovare. Quantos serão os premiados?
DALLAGNOL – São centenas de servidores públicos que atuam, direta ou indiretamente, na Lava Jato. Destacaria o papel do Ministério Público, Polícia e Receita, além a atuação firme e imparcial do Judiciário. Apenas no Ministério Público são dezenas de procuradores que colaboram direta e indiretamente nas diferentes instâncias – como o Grupo de Trabalho de procuradores que atuam junto ao Procurador-Geral da República em casos de foro privilegiado. Não poderíamos receber esse prêmio senão na condição de representantes de todas essas pessoas. A rigor, a premiação é também devida à sociedade, que sustentou o caso com seus protestos contra a corrupção e contra renovadas tentativas de enterrar a Lava Jato. Inscrevemos a equipe de procuradores porque as práticas inovadoras descritas, como o emprego extensivo de colaborações premiadas, o número expressivo de cooperações internacionais, a adoção de estratégias de transparência e a iniciativa de propor reformas (que foram adotadas depois pela Procuradoria-Geral, pelo Ministério Público brasileiro e pela sociedade) estão mais relacionadas à equipe da Força Tarefa do Ministério Público Federal em Curitiba. Essa Força Tarefa foi integrada, ao longo do tempo, por 14 procuradores e, ao todo, aproximadamente 50 servidores públicos. Nós nos sentimos, contudo, apenas como representantes de um universo muito maior de pessoas comprometidas com a causa contra a corrupção.

Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias

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