TCU aponta os principais problemas na gestão tributária federal
Com mais de 377 mil normas tributárias editadas após a promulgação da Constituição Federal, em 1988, o Brasil possui um dos sistemas tributários mais complexos e burocráticos do mundo. Para contribuir com o debate em torno da Reforma Tributária, o Tribunal de Contas da União (TCU) se debruçou sobre os principais problemas encontrados nas auditorias sobre a gestão tributária federal realizadas pelo Tribunal entre 2015 e 2021.
O resultado é a edição do relatório “Conclusões Técnicas dos trabalhos realizados na Gestão Tributária Federal” que traz, de forma objetiva e clara, uma análise dos dados mais relevantes colhidos nas auditorias feitas na Receita Federal do Brasil, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, na Secretaria do Tesouro Nacional, no Ministério da Economia e no extinto Ministério da Fazenda.
O contencioso
Considerado uma medida indireta da qualidade do sistema tributário de um país, o contencioso tributário no Brasil, com seu elevado número de contestações na esfera administrativa ou judicial, demonstra a complexidade e a dificuldade que o Brasil tem enfrentado na gestão desse sistema nos últimos anos.
O volume de recursos envolvidos no contencioso chama a atenção. Em 2019, havia, somente nas Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento (DRJs), 265.350 processos com valores gerais da ordem de R$ 135,31 bilhões. No Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), os valores em discussão eram da ordem de R$ 671,93 bilhões nos 117.034 processos existentes. Já no estoque da Dívida Ativa da União (DAU), o valor chegava a R$ 2,32 trilhões para quase 17 milhões de inscrições.
A demora x o retorno para a União
O tempo médio para a análise do contencioso administrativo é muito longo no Brasil. Nas delegacias da Receita Federal é de dois anos e sete meses. No Carf, a conclusão do contencioso leva cerca de quatro anos. Já na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a execução fiscal dura aproximadamente nove anos.
Mesmo depois de toda a demora, apenas 5% do valor das autuações retorna aos cofres do Tesouro Nacional (TN), aqui considerados os Programas de Recuperação Fiscal (Refis).
A burocracia tributária
Bem conhecida por boa parte dos brasileiros, a burocracia tributária tem um custo para todo o Brasil. Ela prejudica o contribuinte, o ambiente de negócios e afeta a competitividade das empresas brasileiras. A análise do TCU revela uma quantidade muito grande de normas tributárias existentes.
Em 2017, havia mais de 26 mil normas tributárias em vigor nas três esferas de governo. Desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988, 377 mil normas foram editadas (32 mil delas só no âmbito federal).
O Tribunal aponta ainda divergências de interpretação das normas legais relativas à administração tributária federal em nível administrativo e judicial. Outro problema levantado pelo TCU é a falta de documento que compile a legislação tributária vigente, conforme exige o art. 212 do Código Tributário Nacional (CTN).
Burocracia em números
- 377 mil normas foram editadas após a promulgação da Constituição Federal em 1988 (32 mil delas são federais).
- Mais de 26 mil normas tributárias em vigor nas três esferas de governo em 2017.
- 3 mil atos foram editados pela Receita Federal do Brasil com possível impacto na vida dos contribuintes.
- 797 horas por ano é o tempo gasto para cumprir as obrigações tributárias no Brasil, segundo dados de 2018 do Banco Mundial.
- 474 horas por ano é a quantidade de horas que um estudo da Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis (Fenacon) disse ser necessário para cumprir as obrigações tributárias no Brasil, em 2019.
Veja a íntegra do relatório
A gestão do crédito tributário
Um levantamento realizado pelo TCU, em 2016, para avaliar os riscos e os controles internos da gestão do crédito tributário pela Receita Federal do Brasil, apontou a existência de 1,5 milhão de processos que envolviam R$ 603 bilhões. Quase a metade, 46%, estava na fase de contencioso administrativo, 30% em acompanhamento judicial (controle do crédito sub judice), 19% em parcelamento fazendário e os 5% restantes em parcelamento pendente ou em revisão de ofício.
Sobre os créditos inscritos em Dívida Ativa da União (DAU), o TCU ressalta que entre 2000 e 2017 foram editados cerca de 28 programas de parcelamento tributário (Refis) com possibilidade de parcelamento em prazos muito dilatados.
Para o TCU, os dados analisados indicaram dois aspectos relevantes:
- Há elevadas chances de devedores da União estarem optando pelo Refis para se esquivar de outras estratégias de cobrança.
- Entidades empresariais estariam utilizando parcelamentos especiais como mecanismo de rolagem de dívidas, devido às recorrentes edições desses programas.
Auditorias financeiras
O TCU, em parceria com a Controladoria-Geral da União (CGU), realizou auditoria para avaliar a confiabilidade e a transparência das demonstrações contábeis de 2017 do então Ministério da Fazenda (MF), com foco nas contas Créditos Tributários a Receber e Dívida Ativa da União.
A auditoria apontou que a Receita Federal do Brasil contabilizou indevidamente no ativo alguns créditos tributários de baixíssima probabilidade de recuperação. A consequência foi uma subavaliação do ativo de R$ 9,21 bilhões, após os devidos ajustes para perdas. Logo após essa auditoria, a Receita Federal do Brasil editou a Portaria RFB 1.343/2018, que limitou o acesso do TCU a alguns dados sigilosos.
Ainda assim foram identificadas as seguintes falhas:
Receita Federal do Brasil
- Demora nos processos compromete a cobrança administrativa.
- Atraso no reconhecimento do ajuste para perda em créditos tributários a receber.
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
- Impossibilidade de atestar a totalidade dos valores de provisões para perdas judiciais e passivos contingentes.
Secretaria do Tesouro Nacional
- Superavaliação em R$ 29,2 bilhões do estoque dos títulos da dívida pública interna.
- Não contabilização de redução a valor recuperável das participações societárias avaliadas pelo MEP.
- Superavaliação de R$ 1,48 bilhão no registro das obrigações referentes à Lei 8.727/1993.
Ministério da Economia
O TCU realizou auditoria financeira, em 2019, baseada nas informações registradas nas Demonstrações Contábeis do Ministério da Economia (ME) para o exercício e encontrou inconsistências nos valores da arrecadação federal e divergência das fontes oficiais:
- Relatório do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros (Cetad) – Análise da Arrecadação das Receitas Federais em 2019: R$ 1,54 trilhão;
- Siafi – Mainframe – R$ 1,33 trilhão;
- Tesouro Gerencial – DVP do Ministério da Fazenda – R$ 1,29 trilhão;
- e Balanço Orçamentário da RFB – Receitas Tributárias + Receitas de Contribuições: R$ 1,38 trilhão.
Em 2020, o Tribunal repetiu a auditoria financeira no Ministério da Economia que verificou as seguintes falhas:
Receita Federal do Brasil
- Inconsistências na Fita 50;
- Riscos de fragilização e/ou paralisação do projeto que integra o controle dos créditos previdenciários (PUC 02 – DCTFWeb);
- Acumulação de valores sem correta identificação em virtude da sistemática do Darf Avulso
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
- Não criação do GPCLAS;
- Dados de entrada para cálculo do rating de devedores desatualizados;
- Critérios excepcionais da Portaria AGU 514/2018 em desconformidade com as normas contábeis.
Evolução
O Tribunal de Contas da União destaca a evolução promovida pelo Ministério da Economia para permitir ao TCU o acesso aos dados protegidos por sigilo fiscal, necessários à execução das fiscalizações do Tribunal:
- 2018 – Portaria RFB 1.343/2018 instituiu o Protocolo de Auditabilidade.
- 2019 – Parecer 53/2019/CONSUNIAO/CGU/AGU constitui o acesso a informações protegidas por sigilo fiscal, por órgãos de controle externo e interno (TCU e CGU).
- 2020 – Assinatura do Convênio TCU/RFB estabelece regras para o compartilhamento de informações com sigilo fiscal, pela Receita Federal ao TCU. Já o Decreto 10.209/2020 trata da requisição de informações e documentos e sobre o compartilhamento de informações protegidas pelo sigilo fiscal.
- 2021 – Portaria 4/2021 atualiza o Protocolo de Auditabilidade da RFB.